Quando estava na faculdade nos
Estados Unidos, Jackson Katz fazia parte do time de futebol americano. Foi lá
que ele aprendeu que um “homem de verdade” precisava ser “forte”, “durão” e
“macho”. Mas por não concordar com esse
pensamento – e por entender que o número crescente de casos de abuso e
violência sexual contra mulheres nas universidades americanas estava
diretamente ligado a ele -, Katz decidiu formar um grupo de homens
universitários para combater essa cultura. E o nome escolhido para o grupo foi
exatamente “Homem de Verdade”.
Os anos se passaram e, depois de
formado, Katz foi se aprofundando nos estudos sobre essa questão até criar um
treinamento para combater o machismo e a violência contra a mulher no ambiente
universitário.
Foi assim que surgiu, em 1993, o
“MVP” – Mentors in Violence Prevention (Mentores na Prevenção da Violência, na
tradução livre) -, programa aplicado em equipes esportivas e instituições
universitárias para ensinar os homens a serem lideres proativos contra o
sexismo.
O programa – que hoje tem como
público-alvo tanto homens quanto mulheres – fez sucesso e já foi expandido para
outras instituições universitárias e até para forças armadas de Estados Unidos,
Alemanha, Iraque e Japão, entre outros.
O método do treinamento é focado
em dois objetivos: primeiro em conscientizar as pessoas sobre os males do
sexismo, depois em inspirar uma mudança de comportamento delas baseada na
“abordagem do espectador”.
“Temos que mudar a socialização
dos homens, mudar o conceito de masculinidade. O fato de homens serem educados
para serem dominantes sobre as mulheres, para serem abusivos na hora de
conseguir o que querem, e de isso ser aceitável. Se mudarmos a maneira como
educamos e socializamos esses garotos, então a maioria da violência contra a
mulher vai desaparecer”, explicou Jackson Katz à BBC Brasil.
“Quero que pensem em uma mulher que vocês
amam. Imaginem que ela está subindo as escadas ou em uma boate ou mesmo andando
na rua, e um cara começa a mexer com ela. Ele fala coisas desrespeitosas, todos
os tipos de abusos verbais. E talvez esse cara decida colocar as mãos nela,
atacá-la fisicamente. Ele vai além, abusa sexualmente dela. Agora imaginem uma
terceira pessoa ali vendo tudo isso. Mas ela só olha e não faz nada a
respeito”.
Foi dessa forma que os mentores
do programa se aproximaram de atletas de equipes universitárias de beisebol,
futebol americano e basquete para ensiná-los sobre o papel e a responsabilidade
que têm ao presenciarem situações de machismo ou abuso.
Se você se diz a favor da democracia,
mas não é a favor do feminismo, ou você não entende o que é feminismo, ou você
não entende o que é democracia
“Existe um ditado que diz ‘aquele
que vê uma situação de opressão e não faz nada está assumindo o lado do
opressor’. Se há uma situação de abuso na sua frente e você não faz nada, você
está consentindo”, disse.
Katz ressalta que é preciso tomar
cuidado quando as situações envolverem desconhecidos, mas reforça: “Se eu estou
em uma festa e vejo meu amigo abordando uma mulher de uma maneira invasiva,
abusiva, eu preciso pará-lo e dizer que ele está errado. Se eu escolho não
fazer nada, eu estou dando meu consentimento para aquele comportamento
abusivo.”
Cultura machista
Um dos homens pioneiros na luta
pela igualdade de gênero, Katz começou o ativismo para combater a “cultura
machista” ainda na década de 1980 e hoje coleciona inúmeras palestras em mais
de 30 países – incluindo sua fala no TED, conferência de projetos e ideias
inovadoras, que já teve mais de 1,2 milhão de visualizações.
Em visita ao Brasil em dezembro
para participar do Fórum “Fale sem medo” organizado pelo Instituto Avon, ele
falou à BBC Brasil sobre a importância de ampliar o debate sobre “questões de
gênero” também para os homens.
“Quando falamos em gênero, muita gente já
associa essa palavra diretamente à mulher. Mas homem também é gênero. E a
cultura machista também é prejudicial a ele. O mesmo sistema que produz homens
que abusam de mulheres, produz homens que abusam de outros homens”, afirmou em
entrevista à BBC Brasil.
“Nós sempre combatemos esse
problema ensinando as mulheres a se protegerem, como se vestirem, o que devem
evitar. Mas precisamos de novas formas de pensar isso. A questão não é ensinar
as mulheres a se protegerem. É acabar com a cultura que ensina os homens a
abusá-las”, completou.
Para conseguir essa mudança de
cultura, Katz defende a importância de mais homens se juntarem à causa.
“As mulheres são protagonistas e
a liderança delas tem sido transformadora. É a base de tudo. Mas é preciso
pensar que os homens ainda detêm o poder político, econômico e social no
mundo”, disse.
“O meu trabalho é pensar em como
eu, como homem, posso usar o acesso que tenho a instituições políticas, sociais
e econômicas, para, trabalhando em parceria com mulheres, mudar essa realidade.
E precisamos de mais homens que pensem da mesma forma.”
Democracia e feminismo
Jackson Katz começou a se
interessar pelo tema da igualdade de gênero ao observar o cuidado que suas
vizinhas na Universidade tinham para sair na rua ou ir a festas.
Enquanto ele andava
tranquilamente de um lugar para o outro, sem se importar com nada, elas estavam
constantemente em alerta, preocupadas com a segurança pessoal, com medo de
serem abusadas ou estupradas.
Mas mais do que empatia, Katz diz
que se juntou à causa do feminismo por uma “conscientização política”.
“Eu entendo que existe uma
subordinação da mulher, que é uma questão política, baseada em uma estrutura
social, política e econômica. E, como homem e como cidadão responsável, eu
quero fazer algo para mudar esse sistema de desigualdade.”
“Eu costumo dizer para os homens
nos meus treinamentos e palestras: se você acredita em democracia, você
acredita em justiça, em igualdade e, consequentemente, em feminismo, ponto
final. Então se você se diz a favor da democracia, mas não é a favor do
feminismo, ou você não entende o que é feminismo, ou você não entende o que é
democracia.”
Fonte: ( Renata Mendonça) BBC
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