Homens precisam saber seu lugar
na revolução? Precisam. Homens devem educar homens, não devem decidir nossas
prioridades ou como nossa luta deve ocorrer. Mas homens podem dar ideias, podem
disseminar conhecimento e dar a dica para as mulheres que os cercam buscarem
mais informações sobre o feminismo.
por Carol Patrocinio, do Lugar de
Mulher
É fácil odiar homens. É fácil
querer que eles desapareçam da face da Terra. É só ler o jornal. Ouvir mulheres
contando tudo o que passaram e foi causado por eles. Ou lembrar da nossa
própria vida.Comecei a ser assediada nas ruas com uns 9, 10 anos. Eu já tinha
corpo, diziam. É coisa de homem, explicavam. Eu já ouvi cantada, já fui chamada
de vagabunda por dizer não, já tive que tirar cara de cima de mim com minha
própria força porque ele queria transar sem camisinha e eu não. Já sofri e só
de olhar todas as marcas que homens deixaram em mim seria fácil odiá-los.
A vida vem me presenteando com
homens incríveis? Não. Se eu olhar para o meu passado foram poucos que não me
machucaram de maneiras que só se pode machucar uma mulher. Mas o que eu faria
com todos esses caras? Os mataria? Exterminaria? Criaria um mundo sem eles? Os
obrigaria a se calarem? O que qualquer uma dessas opções faria de mim? Quem eu
me tornaria? Um dos caras que deixou marcas em mim. É isso que eu me tornaria.
Sou mãe de dois meninos. Não vou
entrar em detalhes sobre eles, mas são crianças apaixonantes e cheias de espaço
para aprender. Aprender o correto. Aprender a respeitar. Aprender a não se
utilizar de estruturas socialmente impostas para oprimir. Aprender que podem
mudar tudo ao seu redor para o bem. Mas os dois são homens. E eu sou uma mulher
feminista. Como não vou incluir meus filhos nessa luta? Como vou educá-los
senão dentro do movimento em que acredito? O que deveria fazer com eles? Os homens
fazem parte da minha luta.
Não vou levantar bandeiras que
eles deveriam levantar sozinhos. Não vou lutar para que eles não tenham que
servir o exército – por mais que eu ache que ninguém tenha que servir exército
nenhum -, não vou brigar suas brigas. Eles têm forças para isso e o máximo que
posso fazer é impulsionar os quais sou responsável pela criação. Mas também não
quero que eles desapareçam.
Respeito as mulheres que não
querem homens por perto. É uma escolha cheia de motivações. Mas fazê-los
desaparecer do mundo não é. A tarefa é educá-los, mostrar os caminhos, apontar
o que eles não conseguem enxergar. Todas nós já passamos por esse momento: a
cegueira seguida de uma luz insuportável e só então passamos a enxergar com
clareza a luta, os problemas, as questões. E ainda temos muito caminho a
percorrer até chegarmos à tão sonhada igualdade. Por que nós podemos ter
dificuldades em enxergar essas coisas e eles deveriam enxergar num piscar de
olhos? Estamos sendo justas? (Não, o mundo não é justo, mas não é exatamente
contra esse mundo que lutamos?)
Não são apenas homens que
reproduzem o machismo, mulheres também o fazem, de maneira diferente e por
motivos diferentes, mas o fazem. Não é exclusividade do homem ser egoísta. Ou
ser ambicioso. Ou passar por cima das pessoas. Ser agressivo. Não existem
características unicamente masculinas ou femininas. Não vamos lutar contra essa
ideia de que homens e mulheres têm características fixas e imutáveis e passar a
olhar por outro ângulo quando nos convém.
Homens precisam saber seu lugar
na revolução? Precisam. Homens devem educar homens, não devem decidir nossas
prioridades ou como nossa luta deve ocorrer. Mas homens podem dar ideias, podem
disseminar conhecimento e dar a dica para as mulheres que os cercam buscarem mais
informações sobre o feminismo. Quantas mulheres valorizam mais o discurso
masculino do que o feminismo? Uma merda, eu sei, mas é bom tê-los ao nosso
lado. O problema é o patriarcado, não os homens.
Por que o patriarcado é tão
eficiente? Porque homens e mulheres são mantidos à rédeas curtas. Porque todos
nós somos criados sob as mesmas regras e as aceitamos sem questionar. Cada um
cuidando para que o que é seu seja protegido. Cada um pensando apenas em si. E
qual o sentido disso? Cada um mantém seu papel, sua parcela de poder, sua
parcela de culpa e aceita as migalhas que sobram. Homens não são livres.
Mulheres não são lives. Pessoas trans encontram ódio por todos os lados. E a
gente faz de conta que está lutando por um mundo melhor. Não estamos.
Estamos lutando por um lugar
melhor para nós. Estamos lutando e medindo o mundo ao redor do nosso umbigo.
Estamos trocando ódio por ódio e a conta nunca sai do negativo. É essa a luta
que queremos ter? Contra pessoas? Contra indivíduos que tiveram sua vida
destruída, em maior ou menor grau, por um sistema? A luta é contra um grupo de
ideias, não contra um grupo de pessoas.
É fácil perder o foco. As
lágrimas nos nossos olhos e as marcas das batalhas tornam tudo isso muito
simples de acontecer. Mas essas são as pessoas que queremos ser? Não é sobre
ser homem ou mulher, não é sobre ser mãe ou não querer ter filhos, não é uma
competição sobre quem sofre mais (apesar de ser de extrema importância observar
seu papel enquanto opressor nessa sociedade de castas invisíveis); é sobre uma
sociedade mais justa.
Os homens existem, eles são parte
da sociedade. Alguns deles, inclusive, têm úteros e vaginas – se isso for
importante para você. E a transformação passa por eles. Gostando ou não,
precisamos do maior número de pessoas interessadas em um mundo melhor para que
as coisas realmente aconteçam. Na teoria as coisas funcionam sem eles, no mundo
real eles não podem ser desintegrados, então é melhor aceitá-los na luta,
definir os limites e seguir em frente lado a lado.
Fonte: Geledes
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