O estudioso americano Matthew
Gutmann defende o estudo de masculinidades para se acabar com a desigualdade de
gênero e machismo.
“O comportamento masculino é
determinado pela biologia”. “A natureza do homem é violenta, sexual, instintiva
e difícil de ser controlada”. Essas são algumas explicações usadas para
justificar posturas machistas e violentas por parte dos homens e que são
desconstruídas por Matthew Guttmann, antropólogo especialista em masculinidades
da Universidade Brown, dos Estados Unidos.
por Tatiana Merlino no Ponte
Em recente visita ao Brasil,
Guttmann participou do I Seminário Internacional Cultura da Violência contra as
Mulheres, em São Paulo e organizado pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto
Vladimir Herzog.
Os estudos de gênero devem se
debruçar sobre as masculinidades?
Matthew Gutmann- É saudável, eu
creio, pois vivemos em um mundo de mulheres e homens. Quando falamos de gênero,
é muito comum pensar que estamos falando da mulher, mas se pensamos assim,
estamos dizendo que os homens não tem gênero, não estão envolvidos em relações
de gênero. Podemos entender melhor a questão de gênero ao estudarmos os homens.
Isso não é dizer que para entender sobre as masculinidades, só vamos falar com
homens. Também é muito necessário falar sobre os homens com mulheres.
O que faz o estudo da
masculinidade?
Matthew Gutmann- Tratamos de
entender as ideologias, as práticas os comportamentos, as relações entre homens
e também entre homens e mulheres e questões de gênero. Ser pai é uma questão de
gênero, ser mãe também. Pode ser que seja a mesma coisa ou que haja divisão de
trabalhos. Há diferenças em muitas famílias, mas também estão havendo mudanças
nas tarefas de pai e mãe. Hoje, há
muitos pais com experiência em trocar fraldas, mas seus avós não tinham tanta
experiência nisso. São mudanças que vão ocorrendo, inclusive em questões
íntimas de família.
Nos Estados Unidos, a maioria dos
que estudam os homens estudam os gays. Na América Latina sempre foi diferente:
há estudos excelentes sobre gays, mas também há muitas feministas da Bolívia,
Chile, Peru, Brasil e México que desempenharam um papel super importante nos
estudos da masculinidade heterossexual. Se realmente queremos entender as
relações de desigualdade que tem a ver com gênero, se realmente queremos mudar
a situação, há a necessidade de estudar os homens e os incluir nos estudos
feministas.
O título da sua apresentação
durante o I Seminário Cultura de Violência contra as Mulheres foi “Os Homens
são animais”. Por que?
Matthew Gutmann- É claramente uma
provocação. As mulheres também são animais, todos somos animais. O que isso
quer dizer? Por exemplo, podemos falar de outros animais, como chimpanzés e
patos. Há cientistas e biólogos que
dizem que os patos violam as fêmeas. Eu digo que violação é uma relação social,
é a imposição do poder do homem sobre a mulher. Então os patos e os chimpanzés
não violam as fêmeas. Podemos falar em sexo forçado, algo assim, mas não é
violação no sentido humano.
Superficialmente podemos falar do
comportamento de outros animais e do comportamento humano e afirmar que somos
todos animais. Mas não é assim entre os humanos porque podemos ver mudanças
radicais na questão gay, por exemplo. Há
50 anos atrás, o debate era outro na sociedade brasileira, no México, nos
Estados Unidos. Agora é legal casar-se em alguns estados dos Estados Unidos.
Como resultado da luta social, sobretudo de parte dos homossexuais, agora temos
mudanças nas leis, nas atitudes sociais, não totalmente, claro, pois segue
existindo a homofobia. Porém, não podemos ver mudanças da mesma maneira em
outros animais.
Mas, se somos animais, em que
somos? Ou seja, temos que fazer sexo para ter filhos, ok, isso é animal. Mas o
sexo entre os humanos não é algo feito por instinto, enquanto que entre os
chimpanzés e patos é por instinto.
De que forma o aspecto biológico
é utilizado como desculpa para o comportamento machista dos homens?
Matthew Gutmann- Alguns homens
dizem “assim sou, tenho minhas necessidades, você tem que aguentar, tem que
aceitar, pois assim sou”. É uma atitude bastante machista. Muita gente nos
Estados Unidos acha que o machismo é latino porque a palavra é espanhola, mas o
problema é que há machismo na Rússia, França, África do Sul, México, Itália,
Japão. Há atitudes sexistas dos homens que tem uma posição superior em relação
à mulher e há uma relação entre machismo e violência. Podemos falar de
violência doméstica, também de violência social. E, hoje em dia, a sociedade
mais violenta do mundo é a dos Estados Unidos, não há outro país que faça
invasões, e ocupações em outros países do mundo. Eu venho de uma sociedade
machista nesse sentido, a nível de governo. Por isso, me incomoda quando eles
dizem que o México é muito machista. Embora haja machos no México, claro.
Qual a relação entre a violência
contra as mulheres e o argumento de violência por determinação biológica?
Matthew Gutmann- Há pensadores
científicos que dizem que a violação é natural, é uma necessidade masculina
física biológica, que não é por isso que temos que aceitá-la, mas há que
reconhecer, que é algo que vem da natureza. Alega-se que os machos, os animais
de todas as espécies, são assim. Ao se pensar assim, a violência contra a
mulher, por exemplo a violação, teria que se desenvolver algumas maneiras de
controlar a situação.
Porém, como esse comportamento
não é resultado biológico e sim do machismo, de um pensamento de superioridade,
de controlar, de poder, etc,. temos que mudar a sociedade, as ideias, o
comportamento dos seres humanos. Não podemos sentar com animais e lhes dizer:
“Por favor, não coma mais carne, ok? Não quero que me coma mais nem a ninguém
mais aqui. Por favor, leão, deixe de ser leão”. Isso não funciona, pois sua
biologia é assim. Mas se os homens são assim, não podemos falar com eles,
teríamos que prender todos. Mas todos os leões buscam carne para comer, sem
exceção. Se não procuram, morrem.
Mas não são todos os homens que
violam, que batem. Se é algo biológico, por que há tantos homens que não
violam? Aí está a brecha para se entender de onde vem o machismo. Eu trabalhei
com homens violentos na cidade do México. E nosso desafio não é mudar sua
biologia e sim seu pensamento.
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