Pesquisadora do Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra e diretora da ONG Promundo, portuguesa vive
entre o Rio e o exterior
A “revolução” virá da
socialização. Fizemos estudos que mostram como há uma transmissão da violência
de geração para geração. Se a prática do cuidado for disseminada nessa lógica,
conseguiremos promover a transmissão geracional deste valor.
"Nasci em Coimbra, em
Portugal. Em 2005, vim fazer pesquisa para a minha tese de Doutorado, no Rio de
Janeiro. Foram seis meses que já viraram uma década. Continuo no Rio, dividindo
meu tempo entre Brasil e outros países. Sou mãe da Gabi, de 7 anos, que me move
cotidianamente na busca por igualdade"
Conte algo que não sei.
Os homens fazem parte da
revolução de gênero. As mulheres representam hoje 40% do mercado de trabalho,
mas os homens não ocupam 40% do trabalho de cuidado com os filhos e atividades
domésticas.
Ainda estamos muito longe de ter
essa participação?
Varia de acordo com o país, mas a
verdade é que eles só ocupam 20% desse espaço. Podemos começar a mudar pelas
leis. No Brasil, por exemplo, são só cinco dias de licença paternidade. Não se
aposta nada na participação do homem.
De onde virá a “revolução”?
Da socialização. Fizemos estudos
que mostram como há uma transmissão da violência de geração para geração. Se a
prática do cuidado for disseminada nessa lógica, conseguiremos promover a
transmissão geracional deste valor.
A senhora fala muito da
importância de se trabalhar a masculinidade. Que “masculinidade” é essa?
Queremos promover masculinidades
não violentas. A masculinidade é construída em torno de conceitos como
racionalidade, razão, frieza e violência. A mulher fica com emoção e paz. O nó
está nessa dinâmica de oposição e antítese.
Esse esforço fica ofuscado no
debate de gênero?
O mundo tem avançado nos últimos
20 anos. Estamos mais perto do que longe do ideal. Para mim, não há distinção
entre o movimento de masculinidades e o feminismo. Mas existe ainda a tendência
de fratura. O investimento visa a respostas imediatas para as vítimas de
violência, o que é necessário. Mas, se queremos também a prevenção e os
agressores são homens, não podemos trabalhar só com mulheres.
Como o movimento feminista reage a
essa abordagem?
Muita gente vê que fazemos parte
de um mesmo movimento. Mas ainda há quem ache que o trabalho sobre
masculinidades é secundário.
Se o machismo é uma construção
social, quando ele começa a se manifestar?
Não sei dizer em que idade isso acontece.
Mas, a partir do momento em que você não permite que um filho brinque com
bonecas ou ache que carrinho não é coisa de menina, está sutilmente a perpetuar
o machismo.
Como é com a sua filha?
Faço um esforço muito grande para
ela entender em casa coisas que, às vezes, não aprende com os coleguinhas. O
pai dela é extremamente presente e igualitário e somos pais não violentos. Com
essa educação, percebo que já lhe causa estranheza o uso da violência ou as
pessoas acharem que dois homens não podem namorar, por exemplo. Quando os
coleguinhas começam a falar de namoro ela diz: “Ainda estou muito nova para
isso. Nem sei se vou querer namorar menino ou menina.”
Muito se fala sobre o crescimento
do conservadorismo no Brasil. Como isso tem ecoado sobre o debate de gênero?
Atravessamos um momento muito
delicado. Fico chocada com o que as pessoas dizem publicamente, mostrando todo
o seu ódio. Isso é um grande recuo na luta pela igualdade.
Há risco de retrocesso?
Há propostas de um lado
conservador que incluem a retirada da palavra “gênero” dos manuais escolares.
Além disso, ainda temos muitos políticos ligados a igrejas que consideram o
feminismo como encarnação do demônio. Considero isso chocante.
Fonte: O Globo
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