Faz tempo que não sentia tanta
vergonha alheia como nos últimos dias. A quantidade de besteira que escorreu em
blogs e nas redes sociais como resposta de muitos homens (sic) às mulheres que
resolveram não ficarem caladas diante da violência sexual digital contra uma
participante de 12 anos do programa Masterchef foi deprimente.
Por Leonardo Sakamoto, do Blog do
Sakamoto
Apenas uma pessoa que passou a sua vida
inteira em uma caverna, sem contato com a civilização, pode achar que essa
situação brotou de uma hora para outra. Não, o machismo brasileiro, um de nosso
maiores patrimônios imateriais, sempre esteve lá, feito pombo que descansa em
fio da rede elétrica, fazendo cocô na cabeça de todos os que não são homens,
nem concordam com a heteronormatividade vigente. A diferença é que, agora, a
internet dá a todo o mundo, inclusive os que não aprenderam a viver em
sociedade, o direito de ter um megafone.
Discutimos muito nos últimos
tempos sobre as mudanças estruturais pelas quais o país tem que passar, citando
segurança, impostos, política, corrupção, mas – não raro – esquecemos dos
problemas ligados aos grupos que sofrem com o desrespeito aos seus direitos
fundamentais. Como as mulheres que são maioria numérica – e minoria em direitos
efetivados.
Nunca é demais lembrar que elas
são vítimas frequentes de violência doméstica, enfrentam jornadas triplas
(trabalhadora, mãe e dona de casa) e não têm a mesma liberdade que os meninos
quando pequenas. Não são autorizadas a conduzir livremente suas vidas,
pressionadas não só por pais e companheiros ignorantes mas também por uma
sociedade que arrota futuro, mas age no passado. A qual todos nós pertencemos
e, portanto, somos atores da perpetuação de suas bizarrices.
Pois o justo descontentamento com
o caráter ou a competência de uma mulher na política, seja de uma vereadora,
passando por uma deputada ou senadora até a presidente da República faz com que
elas sejam chamadas de “vaca”, “vadia”, “vagabunda”. Xingamentos bizarros que
não têm nada a ver com o seu comportamento como administradora pública ou
representante política, mas que querem desqualificar um gênero, colocando-as no
seu “devido lugar”.
Essa batalha é travada no dia a
dia também. Como a luta por não sofrer violência sexual no trem sem precisar de
um vagão especial ou por vestir-se como quiser sem ser chamada de vadia. Ou
pelo direito de ganhar a mesma remuneração que o homem ao exercer função
equivalente. Por resistir à pressão social pela adoção do nome de família do
companheiro. E, é claro, ter autonomia para decidir o que fazer com seu próprio
corpo – o que inclui poder fazer um aborto em caso de estupro (o que é previsto
em lei), sem ter que provar ter sido vítima desse crime – como querem, agora,
muitos deputados federais em Brasília.
Como um dia me explicou um
sexólogo, já passou do momento de queimarmos cuecas em praça pública, como foi
com os sutiãs décadas atrás. Pois ao homem não é dado o direito, desde pequeno,
de demonstrar afeto, sentir emoções, a ficar doente, expor fraquezas. É criado
não para ser humano, mas um monstrinho.
Ou nos libertamos desse papel de
idiota que construímos para nós mesmos há muito tempo ou vamos continuar sendo,
consciente ou inconscientemente, vetores do sofrimento alheio.
Fonte: Blog de Sakamoto
Nenhum comentário:
Postar um comentário